Potências da moda internacional discutem o futuro da indústria em meio à pandemia
Fonte: Business Insider
Por Dominic-Madori Davis
A moda é uma das indústrias mais poluentes do mundo. Em meio à pandemia do coronavírus, designers e outros líderes da indústria estão finalmente avaliando esse fato. “É engraçado dizer que há um lado positivo no COVID-19”, diz Christopher Lacy, consultor de moda, que afirma ter testado positivo para o vírus recentemente. Ele estava se preparando, junto com a fashion designer Diane von Furstenberg, a conservacionista Susan Rockefeller, a CEO da Birchbox, Katia Beauchamp e o fundador da StockX, Josh Luber, para falar nas palestras semestrais do Fashinnovation em todo o mundo.
O Fashinnovation é um coletivo de marcas e varejistas internacionais que se reúnem duas vezes por ano para discutir como implementar mudanças no setor. A conferência desta temporada, em parceria com a United Nations, foi realizada virtualmente e focada no futuro da moda e sustentabilidade em meio à pandemia do coronavírus.
A boa notícia, Christopher disse ao Business Insider, é que a pandemia ajudará a indústria da moda a se unir mais com a tecnologia, incluindo o uso mais amplo de códigos QR e métodos de pagamento sem contato. Isso poderia ajudar a impulsionar a indústria para um futuro mais sustentável e tecnologicamente inovador.
Mas o mais importante é que agora os líderes da indústria entendem a necessidade de se tornar mais sustentáveis e a ajudar a reduzir o problema de resíduos da indústria da moda.
Como o Business Insider relatou anteriormente, a indústria da moda como um todo produz mais de 150 bilhões de peças de roupas novas por ano e 2,5 bilhões de pounds ( mais ou menos 12 bilhões de quilos) de roupas usadas acabam em aterros sanitários. Na verdade, até 87% de todos os produtos têxteis acabam em aterros sanitários todos os anos, segundo a Ellen MacArthur Foundation.
A Fundação também descobriu que a moda é um dos principais produtores de emissões de CO2, com a indústria têxtil global emitindo 1,2 bilhão de toneladas métricas (1,3 bilhão de toneladas) de equivalente CO2 por ano – próximo ao nível de emissões da indústria automotiva.
Morgan McFall-Johnsen, da Business Insider, citando dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE), informou que a indústria da moda é responsável por 10% de todas as emissões de carbono no mundo. De acordo com a Ellen MacArthur Foundation, se o setor continuar no ritmo atual, suas emissões de gases do efeito estufa aumentarão 50%.
A indústria da moda também é o segundo maior poluidor da água, de acordo com Morgan, e 20% da água residual do mundo é proveniente do tingimento de tecidos. A indústria também despeja meio milhão de toneladas de microfibras plásticas no oceano anualmente, o que equivale a 50 bilhões de garrafas plásticas, segundo a Ellen MacArthur Foundation.
“Haverá e continuará a existir uma consciência global em torno da sustentabilidade, que foi impulsionada pela geração Millennials, mas que agora já se vê em todas as gerações”, disse Susan Rockefeller, conservacionista e designer de joias, ao Business Insider. “Acho que haverá uma re-conceitualização da inovação material e das roupas de proteção (uniformes, aventais, jalecos, roupas para esporte, etc.) … As pessoas estão acordando para o que é a moda, olhando para a moda em sua essência e o que ela pode ser. Pode significar mais igualdade de gênero e mais projetos ecológicos e de inovação “.
Christopher Lacy concorda, dizendo que os consumidores ficarão mais conscientes do impacto prejudicial que a indústria tem sobre o meio ambiente e que as marcas serão forçadas a colocar os produtos em segundo lugar e as pessoas em primeiro lugar.
“Olhando para os gráficos e os dados que estão sendo divulgados sobre o quão bem a Terra está começando a se recompor e a se recuperar durante a quarentena dos coronavírus, acho que as pessoas realmente vão ver o que estamos fazendo no planeta”, disse Christopher. “Haverá novos níveis adicionais de transparência quando se trata de produtos e meio ambiente”.
“Acho que não precisamos mais de desfiles de moda necessariamente”
Tanto Christopher quanto Susan pediram uma mudança na cadeia de fabricação, com Susan apontando o quão frágil a pandemia revelou que elas são. Fábricas na Europa praticamente fecharam. Algumas marcas estão convertendo suas instalações para fabricar equipamentos médicos e outras tiveram que lidar com pedidos cancelados. Mas quase todos estão lidando com o fato de que, como muitos varejistas foram obrigados a fechar, simplesmente não há demanda por remessas de roupas recém-produzidas.
Nesse momento há muitos quilos de roupas dessa estação definhando nas fábricas porque, bom, ninguém as quer. No inverno ninguém estará vestindo shorts e, na próxima primavera, os vestidos roxos podem não ser mais tendência. Consequentemente, muitos especialistas da indústria sentem cada vez mais que esse conceito de “sazonalidade” na moda incentiva o desperdício, e ele está sendo reconsiderado por completo em meio à interrupção pela pandemia no calendário tradicional da moda.
“Acho que a sazonalidade, com coleções diferentes (para diferentes estações) – tudo vai mudar drasticamente”, disse Jordana Guimarães, fundadora do Fashinnovation, ao Business Insider.
Normalmente, as principais marcas têm vários desfiles por ano com pelo menos três coleções distintas: uma coleção cruise, uma coleção de primavera / verão e uma coleção de outono/ inverno. E, a menos que as peças façam parte da coleção de ready-to-wear, a maioria das roupas nunca é usada e, depois que são exibidas na passarela, nunca mais são vistas.
“Acho que não precisamos mais necessariamente de desfiles de moda”, continuou Jordana. “Eu acho que nos desfiles você acaba tendo todas essas amostras de roupas que nunca serão usadas novamente. Existem outras maneiras de fazer as coleções onde você não está usando todo esse tecido e criando resíduos”.
Infelizmente, a adoção de medidas pela indústria da moda dentro do seu grande despertar pela sustentabilidade provavelmente não acontecerá tão cedo. Primeiro, o setor deve sobreviver a um impacto negativo projetado de bilhões de dólares em vendas e a uma recessão antecipada. Mas esse período prolongado de “tempo de inatividade” inspirado pelo coronavírus deu à indústria a desaceleração que tanto precisava, e o aumento de conversas em torno dessa mudança é o primeiro passo para efetivá-la.
“Minha esperança é que haja mais circularidade, mais interesse nas inovações tecnológicas que estão acontecendo, mas também em procurar reutilizar algumas fibras mais naturais, como cânhamo e algodão”, disse Susan. “Isso é um alerta global, diferente de tudo o que vi na minha vida, e espero que mais pessoas entendam que suas escolhas são importantes. Que cada escolha que elas fazem tem uma relação direta com o meio ambiente e na saúde humana e planetária”.